DESABAFO E DENÚNCIA.
Preciso divulgar aqui e onde mais for possível, um episódio que marcou, muito tristemente meu último passeio para o Sul.
Ilha do Mel, dia 17 de outubro, aproximadamente 1:30.
Eu, meu primo (Roger) e uma amiga (Roberta), papeávamos de frente ao mar, da área de embarque/desembarque da praia de Brasília, também conhecido como trapiche.
Era nosso último dia por lá queríamos ver as luzes dos navios operando no porto de Paranaguá, antes que o sono chegasse e retornássemos para o camping.
Estava bastante vazio, mas não nos preocupávamos, pois há ali perto uma guarnição da polícia local e a atmosfera da comunidade se mostrava bastante pacífica.
Até então.
Uma mulher de meia idade, de cabelos loiros e jaqueta jeans se dirigiu até nós, pedindo orientação para chegar até o posto policial, pois queria prestar queixa. Parecia nervosa e apreensiva.
Neste momento apareceu, vindo por atrás dela um homem de blusa vermelha e boné, falando alto e modo grosseiro. Ficou claro que aquele era seu agressor.
Os acontecimentos e diálogos que seguiram:
Mulher: Fique longe, você gosta de bater em mulher.
Agressor: É!? Cadê teu olho roxo?
Mulher: Você me machucou em outras partes, fique pra lá. Eu vou para a delegacia denunciar você.
Agressor: Você vai comigo para casa, agora.
Mulher: Não! Vou contar que você me ameaçou com uma faca!!
Nós três observávamos essa situação petrificados, Roger disse que devíamos fazer algo a respeito. Roberta nos advertiu que devíamos evitar, pois se o agressor estivesse armado, iria nos machucar. Assenti e me virei para a mulher:
Eu: Moça! Vá logo até a delegacia.
Agressor: Você aí! Não se meta!
Mulher: Eu estou indo!
O agressor se posicionou entre ela e a saída.
Roger: Moça, fique aqui com a gente então, deixe ele ir embora!!
A mulher se aproximou e pegou um copo com bebida das mãos da Roberta, neste momento o agressor veio e tirou o copo das mãos dela jogando a bebida fora e atirando o copo no chão, gritando que não deveríamos ter nos metido e que foi errado convidá-la a se juntar ao grupo.
Ela recuou em nossa direção e nesse momento a agressão física começou. O agressor puxou a mulher pelo braço e tentou arrastá-lo pelo caminho que havia vindo. Levantamos e gritamos para que parasse, que a soltasse. Ela resistia e acabou caindo de costas no chão de madeira, o agressor caiu sobre ela.
Foi aí que me adiantei, segurei o agressor pelos braços, o puxei para longe da mulher e o soltei, Roger e Roberta ajudaram a mulher a se levantar, apesar do nervosismo, consigo me lembrar de algumas linhas, ditas pelos dois:
Mulher: Não aguento mais isso!! Quero que você suma.
Agressor, para mim: Tire a mão de mim!!
Eu: Você não vai bater nela.
Agressor: Ela é minha mulher.
Eu: Não te dá direito de bater nela, cara!
Agressor: Não se meta nesse assunto, não é problema teu.
Eu: Já disse que não vai bater nela! Segue teu caminho e deixa a moça em paz!
Agressor: Eu sei o que você quer! Quer pegar ela aqui quando eu sair.
Eu: não seja ridículo!
Agressor: Ela é minha mulher e vai comigo para casa.
Mulher: Não vou com você para lugar nenhum.
Roger se posicionou ao meu lado e percebi que o agressor ficou mais intimidado, mas ainda assim não deixava o local. Roberta se dirigiu com a mulher para o fundo, onde fica o banheiro feminino. Tentando tranquilizá-la.
O agressor continuava a fazer ameaças e andar de um lado para outro, olhei seguidas vezes para o posto policial, estava fechado e com poucas luzes acessas. Nenhum policial aparecia, apesar do barulho e gritaria.
O agressor continuava a fazer ameaças e andar de um lado para outro, olhei seguidas vezes para o posto policial, estava fechado e com poucas luzes acessas. Nenhum policial aparecia, apesar do barulho e gritaria.
Foi aí que Roger e eu passamos rápido pelo agressor, saímos em direção a guarnição da polícia. Temia que ele avançasse sobre as duas que ficaram para trás.
Bati na porta, várias vezes! E nas últimas com muita força! O agressor estava perto da porta do banheiro e vociferava com a mulher, que tinha apenas a Roberta como escudo.
Roberta: Senhor, vocês estão nervosos e já é tarde, não seria melhor você ir embora e deixá-la aqui comigo, amanhã com os ânimos menos alterados, poderia estar resolvendo isso.
Agressor: Não, ela vai para casa comigo agora.
Mulher: Vai embora, não tenho mais nada para conversar com você, não te quero mais.
Roberta: a polícia já virá, vá embora senão o senhor vai ser preso.
Agressor: não vou ser preso nada, ela é minha mulher e ninguém tem nada com isso.
Estava voltando para lá quando a porta da delegacia se abriu e percebi que todos os policiais estavam... dormindo.
Policial1: Aí! Tu tá louco de bater aqui desse jeito!!??
Eu: o Sr. me desculpe, mas está rolando violência entre um casal bem aqui do lado e nenhum de vocês apareceu.
Policial1: Você fez todo esse barulho só por causa disso?
Eu: não acho que seja só por isso, ele pode ter uma arma branca.
Saiu mais um policiai com os olhos semicerrados de sono. O segundo a sair foi chamado pelo primeiro e se dirigiram para onde estava o agressor.
Policial1: O que está acontecendo?
Agressor: ela é minha mulher e estava se engraçando para o rapaz e eu não vou deixar ela aqui.
Policial1: Fica quietinho aí!!
Vi que Roberta já estava se afastando e vindo até nós, mas nesse momento não pude ouvir o diálogo, pois um terceiro policial saiu do prédio, bem ao meu lado.
Policial3: Quem é que bateu desse jeito aqui?
Eu: Eu!
Policial3: Você acordou a gente por causa de briga com mulher.
Eu: Acho que o Sr. não entendeu, ele estava batendo nela, mesmo com ela caída. Tive tirar o cara de cima!!
Policial3: Isso é coisa de marido e mulher, tão tem porquê fazer tanto alvoroço. O cara que resolva isso com ela em casa!
Eu: Não pode estar falando sério né!?
Policial3: O quer que eu faça, você quer que eu prenda ele? só posso fazer alguma coisa depois que acontecer o delito ou crime!
Policial 3: Não posso prender ele aqui, sem ele ter feito nada!
Roger: mas ele acabou de bater nela ali!
Policial3: mais isto é coisa de marido e mulher!
Eu: Mantenha ela aqui na base até o horário da próxima balsa!
Roger: Sentada na cadeira ou em um lugar seguro!
Policial3: Tá louco!? É de madrugada!!
Eu: Exatamente, é mínimo que vocês podem fazer!
Policial3: Se tu tá tão preocupado, leva ela você então!!
Eu: Escuta! Quem é o oficial de polícia aqui? Ela está em perigo!! O cara pode até matá-la se saírem juntos daqui!
Policial3: Ele deve levar ela pra casa e resolver isto!
Eu: e se ele matar ela?
Policial3: Aí eu prendo ele!
Eu: mas você pode evitar que ela morra, e de quem é a culpa?
Policial3: Daí isso vai ser problema dele.
Eu: E culpa sua!
Tive como reposta uma olhar fulminante e dentes à mostra. Achei que fosse apanhar. O sujeito se virou e voltou para a delegacia, fechando a porta.
Roger: Não acredito no que ouvi agora!
Eu: Surreal. Cara, não vamos ficar aqui para ver esse sujeito voltar. Pois não sei quem aqui é pior!
Olhamos uma última vez para os policiais que calmamente conversavam com o agressor, e para a mulher que se encolhia no canto. Talvez já prevendo o que estava por vir.
A deixamos lá, a própria sorte.
Essa cena não sai da minha cabeça. Me roubou o sono e a paz pelo resto daquela noite.
Não temos áudio nem vídeo do que se passou para usar como prova. Só o que conseguimos lembrar.
Me pergunto o que se fez daquela moça que pediu nossa ajuda, quanto tempo ela tem até se tornar parte das drásticas estatísticas de feminicídio no Brasil.
Como em uma sociedade onde a força bruta, o machismo e misoginia regulam a relações de gênero, uma mulher pode se sentir segura? Se até mesmo o Estado, na figura na força policial comunga dessas mesmas práticas e pontos de vista retrógrados?
Será que um dia deixaremos de naturalizar a violência contra a mulher?
Será que os homens entenderão que os corpos das mulheres não são deles propriedade?
Me sinto desanimado com as possíveis respostas.
Publico aqui esse desabafo, expondo a mim e outras pessoas para que fique claro:
O MACHISMO MATA, E A OMISSÃO TAMBÉM.
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